quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Um livro na mala

Hoje a minha alma sai de viagem. Fez as malas e disse-me: estou fartinha de estar aqui queda, quero estrada! Emprestei-lhe um livro e disse-lhe: quando encontrares um poiso que valha uns dias, espera-me e eu vou lá ter.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Não me deixes


Canta-me ao ouvido, mesmo desafinando.
Segura-me a mão.
Sopra para longe esta dor de cabeça que não me larga.
Afaga-me os cabelos revoltos na almofada.
Vela-me o sono.
Não me deixes sonhar com pássaros.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Voo rápido


Questionam-me a articulação narrativa
Inquirem sobre a rede de símbolos
Duvidam da credibilidade trágica
Comparam metáforas poéticas

Esperam nem sei o quê
Quando não tenho mais
Do que as palavras de todos os dias
Para dizer
O que dói e o que sangra
E o que de vez em quando
Faz sorrir a alma

Como quando enlaçaste
Os teus dedos nos meus
E garantiste que nunca mais estarei só
E sendo mentira não
Deixou de ser verdade
Naquele instante
Em que o corvo crocitou
Lá atrás
E desapareceu
Num voo rápido
Como o das tuas juras

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Perdoa amar-me primeiro

Perdoa-me ter amado
antes de ti

ter-me entregue a outros
corpos
outras ilusões

perdoa-me a insanidade
de ter julgado
ouro o que luzia
e ter vivido de acordo

Perdoa-me ter sido eu
antes de nós

Perdoa-me continuar
a ser eu
depois de nós

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Não me RIPem

Quando eu morrer não me RIPem. Quando muito contem uma ou outra historieta minha, em surdina. Escolham uma que não seja muito parva, escusam de me deixar ficar mal na última fotografia. Mas não me RIPem.


Acreditem que fiz todas as escolhas em consciência, que virei à esquerda quando quis e à direita quando me deu na veneta , e que estive sempre preparada para as consequências.

Não me mandem descansar em paz. Quero lá descansar. Quando morrer terei um mundo novo para desbravar, com corpo sem corpo, com voz sem voz, tanto faz. Será uma outra realidade, mesmo que apenas silêncio e escuridão, e eu tenciono tirar o maior partido dela que me for possível.

Quando eu morrer bebam uns copos por vocês e por mim, façam uns brindes, desejem-me boa viagem, prometam que não me esquecem com duas cantigas, nem três, vá lá, mas não me ponham num pedestal nem digam aquela coisa horrível do ‘coitada, morreu tão nova’. Fui quando tinha que ir, ou irei, melhor dizendo. Que não tenho pressa. Mas não tenho medo.

Só não me RIPem. Se começarem com essa merda, juro que volto cá e faço-vos a vida negra, ouviram!

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Nos livros


Às vezes escrevo
directamente
do coração

Outras
das entranhas
em linhas quebradas
de bilis e fel

Há dias em que escrevo
sem me lembrar
que tu existes

E desejando que
na realidade
não existas

É mais fácil a dor
quando vem
apenas nos livros