sexta-feira, 23 de abril de 2010

Ora essa!


Não faço ideia qual era o filme, a passar no Mov. Apanhei-o ali mesmo, nesta conversa onde se falava de Portugal. "Nunca confies nos portugueses", dizia um. Perguntava o outro: "Porquê?"

"Porque são piratas."
Ora essa!

(Des) classificados


Andei entretida a espreitar os classificados mais ou menos amorosos das revistas tipo "Maria" - como as bolachas... E fiquei fascinada. “Criatura selvagem, na cabana dos 35, procura gata felina a fim de reconstruir cabana na zona de Vila do Conde. Gatas mais tímidas aceito mensagem”, diz um, garras de fora.

Outro deve ser das matemáticas. "Procuro senhora de raça negra, com altura entre 176 e 180 centímetros". Um máximo de quatro centímetros de amplitude! A isto se chama detalhe. Mas há detalhes para todos os gostos. Um certo senhor, casado, 37 anos, "deseja conhecer pitinha solteira". Outro procura "mulher de 40 anos que tenha a vida organizada". O Ruben, de 27 anos, quer meninas que "gostem de ser dominadas". Um auto-denominado "homem jovem" anda à caça de "mulher de grande poder económico".

Essa coisa do 'jovem' também é muito curiosa nestes anúncios. Um auto-designa-se como "jovem de 44 anos" e "procura lady séria". Também encontrei um "cavalheiro" de 50 anos "pobre, com pequeno snack bar", que "deseja senhorinha elegante".

E que dizer dos românticos que se põem com floreados? Um "cavalheiro quarentão", casado, “procura mulheres que, como eu [ele, claro], ainda gostem de ouvir os sinos a tocar e os pássaros a chilrear”. E a idade não explica tudo. O próximo anuncia-se como tendo 25 anos, um "príncipe do reino do Norte, com olhos cor de mar".

Também há os piadéticos e semi-piadéticos. "Rapaz desempregado no amor e farto de contratos a prazo com patroas desonestas. Quero patroa que me dê contrato efectivo no amor, em Setúbal." Ou "Minha cara senhora, se tem o peito muito grandão, ajude-me. Depois de experimentar tantas almofadas ortopédicas ainda tenho dores no pescoço".

Fascinam-me também os tipos que acenam com a sua própria angústia ou, em alternativa, que querem mulheres angustiadas. "Se o casamento e o amor também infernizaram a tua vida, deixa-me ser o ‘terapeuta’." Quê?! Certo Arlindo contabilista diz que "há momentos na vida em que sentimos um grande vazio existencial e depressivo". Claramente será o tipo ideal para fazer alguém feliz...

Tenho sono e tudo isto me parece absolutamente patético. Dou de caras ainda com este "senhor casado, bem apresentado e bonito" que procura senhoras até 45 anos. "Nota: só as que realmente sintam vontade de fazer amor."

E as que só tiverem vontade de cagar?

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ora gaita!


Ler é parte intrínseca de mim. Às vezes acho até que sabia ler antes de reconhecer as letras e saber juntá-las, o prazer tal que me dava manusear aqueles objectos delicados de papel e tinta. Hoje - quantos privilegiados de nós não se queixam do mesmo? - não consigo ler quanto desejo. O tempo não sobra. O cansaço cobra. Os olhos não conseguem manter-se abertos.

Quando finalmente consigo entregar-me à leitura, espero que o mundo se abra a meus dedos, perfeito e maravilhoso - mesmo quando há sangue e suor e lágrimas e dor e angústia e nada parecido com finais felizes.

De repente, não mais que de repente, um erro de português. Um erro crasso, que se agiganta a meus olhos como a Hiperião, 115 metros de sequóia como que nascida no meio da rasteira planície alentejana. Esta noite era a palavra "deicha", deixada abandonada no meio de uma tradução já de si mais do que atabalhoada.

O prazer transformou-se primeiro numa irritação contra os tradutores de meia tijela que por aí proliferam (sim, já sei. claro que também há dos outros, dos bons, graças aos céus). Encontro-os todos os dias, por exemplo, a legendar séries e filmes na televisão, onde as asneiras são aos pontapés.

Aos poucos, a irritação foi-se transformando numa interrogação: que é feito dos revisores de provas? Sim, aqueles homens e mulheres que, não tendo o estro para escrever os livros, têm o conhecimento da língua para os apurar, como aqueles que, não tendo a capacidade de desenhar estradas, as alcatroam para que se tornem fluidas.

Será decerto uma profissão em extinção, mas decerto não porque falte quem tenha capacidade para desempenhar a função. Acredito mais na economicista decisão de poupar uns trocos na produção de livros ao quilo com que cada vez mais nos deparamos, saltando uma fase do processo.

Estarei talvez a ser injusta com muitas (poucas? algumas?) editoras. Mas há editoras que estão a ser injustas comigo - connosco - quando esperam que se pague em média entre 15 e 25 euros por um livro e não se sinta roubado quando se percebe que ninguém leu aquilo com atenção antes de o atirar para os escaparates das livrarias e dos supermercados. Lavro daqui o meu protesto, mesmo que apenas uma gota no oceano. Ora gaita!

O teu nome


Cosi o teu nome
no forro do meu corpo
para não ter de o dizer
em voz alta

Evito assim
que me rebente a boca
com a amargura

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Boletim meteorológico II


Quando chove assim
corro para a janela
ver as sombras
que a chuva faz no prédio da frente
ao escorrer
intensa
pelo globo iluminado
do candeeiro da minha rua.

E enquanto cai assim,
sem dar tempo para respirar,
tenho guelras
e vivo num aquário.

[Talvez estivessem à espera que vos dissesse como a chuvada me faz pensar na vida, nos mistérios da existência humana, será que Deus existe ou existe algum deus. Lamento desiludir as vossas ânsias metafísicas. Quando chove assim sou una com os céus condensados, a terra molhada, a cortina de gotas que se liberta sob as rodas do carro à minha frente na auto-estrada. Sou depois as gotas que permanecem, suspensas, nos ramos daquela árvore a que a primavera ainda mal chegou. Qual Swarovski, qual gaita...]

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Verdades e mentiras


"Amo-te. E porque te amo prefiro que me odeies por dizer-te a verdade do que me adores por dizer-te as mentiras que pensas que queres ouvir"

E porque te amo. E porque te amo. E porque tenho cá a vaga sensação que te amo. Digo as verdades sem flores, sem enfeites. Digo a verdade mesmo que me doa mais a mim do que a ti. E a ti. E a ti. Porque vos amo. Digo a verdade que vejo. A verdade que sinto. A verdade que sei. Digo a verdade que é este meu olhar do lado de cá.

Era tão mais fácil mentir-te. E a ti. E a ti. E provavelmente também a ti. Tão mais fácil enfiar uma série de palavras num colar de ilusão e colocá-lo em redor do teu pescoço, com um gesto displicente. Mas sei que os olhos que hoje possas ter fechados se vão abrir amanhã. E quando virem a verdade que já conheço vão saber que menti. E será tarde demais para confiares em mim.

Serei louca? Prefiro a tua confiança. E a tua. E a tua. E até a tua. Quantas vezes a prefiro até ao teu amor, meu amor.