quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ora gaita!


Ler é parte intrínseca de mim. Às vezes acho até que sabia ler antes de reconhecer as letras e saber juntá-las, o prazer tal que me dava manusear aqueles objectos delicados de papel e tinta. Hoje - quantos privilegiados de nós não se queixam do mesmo? - não consigo ler quanto desejo. O tempo não sobra. O cansaço cobra. Os olhos não conseguem manter-se abertos.

Quando finalmente consigo entregar-me à leitura, espero que o mundo se abra a meus dedos, perfeito e maravilhoso - mesmo quando há sangue e suor e lágrimas e dor e angústia e nada parecido com finais felizes.

De repente, não mais que de repente, um erro de português. Um erro crasso, que se agiganta a meus olhos como a Hiperião, 115 metros de sequóia como que nascida no meio da rasteira planície alentejana. Esta noite era a palavra "deicha", deixada abandonada no meio de uma tradução já de si mais do que atabalhoada.

O prazer transformou-se primeiro numa irritação contra os tradutores de meia tijela que por aí proliferam (sim, já sei. claro que também há dos outros, dos bons, graças aos céus). Encontro-os todos os dias, por exemplo, a legendar séries e filmes na televisão, onde as asneiras são aos pontapés.

Aos poucos, a irritação foi-se transformando numa interrogação: que é feito dos revisores de provas? Sim, aqueles homens e mulheres que, não tendo o estro para escrever os livros, têm o conhecimento da língua para os apurar, como aqueles que, não tendo a capacidade de desenhar estradas, as alcatroam para que se tornem fluidas.

Será decerto uma profissão em extinção, mas decerto não porque falte quem tenha capacidade para desempenhar a função. Acredito mais na economicista decisão de poupar uns trocos na produção de livros ao quilo com que cada vez mais nos deparamos, saltando uma fase do processo.

Estarei talvez a ser injusta com muitas (poucas? algumas?) editoras. Mas há editoras que estão a ser injustas comigo - connosco - quando esperam que se pague em média entre 15 e 25 euros por um livro e não se sinta roubado quando se percebe que ninguém leu aquilo com atenção antes de o atirar para os escaparates das livrarias e dos supermercados. Lavro daqui o meu protesto, mesmo que apenas uma gota no oceano. Ora gaita!

3 comentários:

Alice disse...

É isso, minha querida tia. Anda meio mundo desatento dos detetalhes e das pequenas coisas (que afinal podem ser tão grandes, nas suas consequências), como pode ser grande a pequena palavra amor.

Neste caso aos livros.

Eu que já abandonei histórias, por causa das traduções mal amanhadas. estou contigo nesta gaita!

acatar disse...

vamos a eles!

Alice disse...

bora!