Vejo cravos vermelhos
até na rosa mais branca
como vejo nas amarelas azedas
do campo
que apanhei para a mãe
no caminho de casa
naquele dia primeiro
Vejo cravos vermelhos
nas papoilas cantadas, grito vermelho
num campo qualquer
Espero por elas todos os anos
como não sabia que esperava cravos
como não sabia que sabia cravos
nas noites em que ouvia o pai
falar mais baixinho
Vejo cravos
nos dias de sol
e nas manhãs claras
e nas noites de poderosas tempestades
Vejo cravos,
cravos vermelhos, quando acordo
para a luta de todas as horas
e quando adormeço o corpo cansado
de ser gente
e ser mulher
e ser guerreira
e ser sabedora de que a luta
está longe de acabar
quinta-feira, 25 de abril de 2019
sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
A cratera
Não me puxem pela saudade
que a tenho arrumada por cores
e por ordem alfabética
e por ordem alfabética
Não me puxem pelas lágrimas
usei-as para regar memórias
que me alegram os dias
usei-as para regar memórias
que me alegram os dias
Não me puxem pela dor
não quero virar as tripas
do avesso
ou mostrar-vos este lado de dentro
feito de alcatrão, saltos para o escuro
meia dúzia de tornados
e uma cratera no peito
não quero virar as tripas
do avesso
ou mostrar-vos este lado de dentro
feito de alcatrão, saltos para o escuro
meia dúzia de tornados
e uma cratera no peito
Não há sol nestas entranhas
só despedidas
só despedidas
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
De repente
De repente o passado
De repente uma operação
de coração aberto
como um livro
que nunca quisemos terminar de ler
De repente a dor
esquecida
o aguilhão em brasa
que pensávamos arrefecido
De repente tudo
o que críamos já nada
De repente uma operação
de coração aberto
como um livro
que nunca quisemos terminar de ler
De repente a dor
esquecida
o aguilhão em brasa
que pensávamos arrefecido
De repente tudo
o que críamos já nada
* escrito para o quadro de Oleg Dozortzev e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Seguinte
O dia seguinte
traz o travo amargo
do que foi e já não é
O dia seguinte
traz o cheiro acre
das sombras
O dia seguinte
traz o pavor amaro
de que a história não mude
nas próximas páginas
traz o travo amargo
do que foi e já não é
O dia seguinte
traz o cheiro acre
das sombras
O dia seguinte
traz o pavor amaro
de que a história não mude
nas próximas páginas
* escrito para o quadro de Luong Dung e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Dúvidas
Qual de nós o positivo?
Qual de nós o negativo?
Qual de nós a força motriz
para o florir das primaveras
para o fluir das águas
para o cair das neves?
Qual de nós o passado?
Qual de nós o futuro?
Qual de nós a tela pintada
e qual o livro?
Qual de nós importa?
Qual de nós o negativo?
Qual de nós a força motriz
para o florir das primaveras
para o fluir das águas
para o cair das neves?
Qual de nós o passado?
Qual de nós o futuro?
Qual de nós a tela pintada
e qual o livro?
Qual de nós importa?
* escrito para o quadro de Melissa Peck e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Gelada
Agarra-me nas mãos geladas
esconde-as
no calor ilusório dos teus sonhos
Preciso ser tua antes
que expluda em mil
pedacinhos sem pertença
Antes que estilhasse
o que resta
das desilusões
esconde-as
no calor ilusório dos teus sonhos
Preciso ser tua antes
que expluda em mil
pedacinhos sem pertença
Antes que estilhasse
o que resta
das desilusões
* escrito para o quadro de Frédéric Rébéna e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Poeiras
O tempo passa
e as estrelas explodem
palavras enrolam-se nas treliças
das tuas pernas
e fazem sombra aos dias
há sonhos que crescem
amadurecem
e definham até à poeira vaga
dos ossos
E ainda assim chamamos-lhe
amor
e as estrelas explodem
palavras enrolam-se nas treliças
das tuas pernas
e fazem sombra aos dias
há sonhos que crescem
amadurecem
e definham até à poeira vaga
dos ossos
E ainda assim chamamos-lhe
amor
* escrito para o quadro de Lucien Mandosse e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Inclinações
Inclina-te sobre o passado
há gaivotas na terra que se escondem
debaixo das tuas unhas
há resquícios de sol
nas sombras
e ouve-se ao longe o rumor
do mar batido no molhe
Inclina-te sobre o que resta
dos dias
em que os dias ainda não tinham passado
há gaivotas na terra que se escondem
debaixo das tuas unhas
há resquícios de sol
nas sombras
e ouve-se ao longe o rumor
do mar batido no molhe
Inclina-te sobre o que resta
dos dias
em que os dias ainda não tinham passado
* escrito para o quadro de Leonard Everett Fisher e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
A luz e o caos
Na história da minha vida
há mais sombras que luz
mais buracos negros
que supernovas
ainda assim sempre se sorri
na escuridão
e se encontra a graça
no caos
há mais sombras que luz
mais buracos negros
que supernovas
ainda assim sempre se sorri
na escuridão
e se encontra a graça
no caos
* escrito para o quadro de Paul Huet e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Amor-ódio
Desfolho-te sem pressa
roço-me nas tuas páginas imperfeitas
inspiro-te o cheiro a passado
recheado de amores que não eu
Hei-de odiar-te um dia
como te amo hoje
roço-me nas tuas páginas imperfeitas
inspiro-te o cheiro a passado
recheado de amores que não eu
Hei-de odiar-te um dia
como te amo hoje
* escrito para o quadro de Émile Berchmans e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Dualidade
No velho sotão
sou só eu e a memória dos livros que li
presa num filme mau de tevê
No velho sotão
suspenso entre as nuvens do que me lembro
e do que o tempo me fará esquecer
sou só eu e a memória dos livros que li
presa num filme mau de tevê
No velho sotão
suspenso entre as nuvens do que me lembro
e do que o tempo me fará esquecer
* escrito para o quadro de Michael Vincent Manalo e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Dizer
O cantar dos pardais
são os teus poemas, poeta
que os distingo no seu piar
Como os reconheceria
debaixo de água
nas bolhas respiradas
pelos peixes
Tal qual os digo quando uivo
loba ferida
à lua
são os teus poemas, poeta
que os distingo no seu piar
Como os reconheceria
debaixo de água
nas bolhas respiradas
pelos peixes
Tal qual os digo quando uivo
loba ferida
à lua
* escrito para o quadro de Pascal Blanchet e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Uma manhã
Uma manhã em Novembro
e partirei
sem medo de nunca chegar
a lado algum
que a viagem tem prazer no caminho
mais que na meta
e sempre gostei de prazeres assim
rascunhados nos dias de chuva
em que os silêncios ecoam tonitruantes
cá dentro
e partirei
sem medo de nunca chegar
a lado algum
que a viagem tem prazer no caminho
mais que na meta
e sempre gostei de prazeres assim
rascunhados nos dias de chuva
em que os silêncios ecoam tonitruantes
cá dentro
* escrito para o quadro de Quint Buchholz e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Aos pés de Carmel
Podia ter-se sentado
noutro sítio
o livro não se queixaria do frio
mas não há nada como a proximidade de um aquecedor
noutro sítio
o livro não se queixaria do frio
mas não há nada como a proximidade de um aquecedor
* escrito para o quadro de Jon Falkenmire e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
A verdade
Os olhos dela dizem que há
poesia na dor.
Mas durante a dor não se adivinha
a verdade.
poesia na dor.
Mas durante a dor não se adivinha
a verdade.
* escrito para o quadro de Nouréddine Zekara e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
O gato
Releio Pina
- e,
apesar dela não ladrar,
sei que há um gato que se passeia
a meu lado
num passo inconstante
que ecoa saudade
e poesia
- e,
apesar dela não ladrar,
sei que há um gato que se passeia
a meu lado
num passo inconstante
que ecoa saudade
e poesia
* escrito para o quadro de Escha van den Bogerd e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Previsão
A planta há-de crescer
e há-de morrer
e os dias hão-de ficar parados
e as noites estupidamente longas
e as memórias parecerão um livro antigo
lido na infância
quando as plantas eram o milagre
das mãos verdes da mãe
e há-de morrer
e os dias hão-de ficar parados
e as noites estupidamente longas
e as memórias parecerão um livro antigo
lido na infância
quando as plantas eram o milagre
das mãos verdes da mãe
* escrito para o quadro de Lucie Vézina e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Vinha nova
Vens de escantilhão
pelos silêncios abaixo
e entras de roldão
pelas palavras acima
e há precipitação na forma
como usas o bacelo
Não sabes o quanto demora a formar
a vinha nova?
pelos silêncios abaixo
e entras de roldão
pelas palavras acima
e há precipitação na forma
como usas o bacelo
Não sabes o quanto demora a formar
a vinha nova?
* escrito para o quadro de Jean-Louis Brunati e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Sementes
Sento-me à tua sombra
e aguardo os frutos
uns que hei-de comer com ânsia
outros que hão-de ficar
caídos
a apodrecer na página que os viu nascer
ou a deitar semente
e aguardo os frutos
uns que hei-de comer com ânsia
outros que hão-de ficar
caídos
a apodrecer na página que os viu nascer
ou a deitar semente
* escrito para o quadro de Toni Demuro e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
Promessas
Quando eu não puder
vais ler para mim
prometes?
Quando eu não puder
serás os meus olhos
a minha voz interior
a ponta dos meus dedos
no papel
seguindo as linhas
até ao meu fim
vais ler para mim
prometes?
Quando eu não puder
serás os meus olhos
a minha voz interior
a ponta dos meus dedos
no papel
seguindo as linhas
até ao meu fim
* escrito para o quadro de Nguyen Thanh Binh e publicado primeiro na rubrica diária "a-ver-livros" do blog Clube de Leitores. |
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